Farid Yunes, Jornalismo com
coragem
Na
mesma semana em que se silenciou o precoce Gianni Carta -- filho do grande Mino
Carta --, o Jornalista Farid Yunes Solomini, diretor-responsável do Correio de Corumbá, eternizou-se, depois
de uma longa e tenaz luta contra o diabetes, uma doença silenciosa que vitima
grandes contingentes humanos. Viveu da mesma forma com que atuou na imprensa nas
últimas décadas: aguerrido, incansável, determinado. Tal como no Jornalismo, na
Vida ele foi um resistente solitário, um verdadeiro estoico na ciência da comunicação,
tendo escolhido o lado da História, sobretudo em seus derradeiros anos, com
bravura e dignidade.
Ainda
jovem, início dos anos 1980, quando trabalhou como recenseador com duas de
minhas Irmãs no primeiro Censo Demográfico do IBGE do então recém-criado Mato
Grosso do Sul, em Corumbá, Farid revelou-se um eficiente companheiro de equipe,
pois, com lealdade e compromisso, soube executar todo o seu trabalho com
eficiência e humildade. Mais que colegas, ele ganhou amigos para a Vida toda. Do
mesmo modo na imprensa, a despeito de seu jeito, no dizer de alguns colegas, polêmico,
ofício que abraçou bastante jovem, contemporâneo de grandes comunicadores e
jornalistas que marcaram, como ele, época: Edson Moraes, Gino Rondon, Jonas de
Lima, Juvenal Ávila, o saudoso e querido Augusto Alexandrino dos Santos (“Malah”)
e tantos outros não menos talentosos e importantes para a história da radiofonia
e do jornalismo do País.
O
querido Amigo e Jornalista Rodolfo Rondon, aliás, irmão do Gino, foi preciso em
seu depoimento para a equipe da televisão Morena, que cobriu com dignidade a despedida
ao agora saudoso Farid -- tendo mostrado, de forma isenta a completude de uma
personalidade marcante, que por isso fez história --, ao lembrar com riqueza de
detalhes episódios emblemáticos próprios da geração iluminada de que fez parte,
e sobretudo assegurar plena liberdade: ser Jornalista não é apenas saber descrever
ou até analisar o cenário de seu tempo, mas tomar o lado justo, como um
educador e um cidadão deve tomar. Essa escola de jornalistas rastejantes ante o
poder é coisa do passado...
Conheci
o Farid quando, ao lado de seu também saudoso Irmão, o Jamil da Embratel,
grande Companheiro de lutas que marcou sua trajetória na história, fazia parte
da equipe da gloriosa Jovem Clube, e o igualmente saudoso e querido senhor
Pedro Júlio (esposo da querida e saudosa Amiga Maria Auxiliadora Júlio, a Mana,
e depois chefe da Embratel) era responsável técnico da emissora. Num tempo em
que cobrir viagens de representantes da Organização para a Libertação da
Palestina (OLP) era passível de punição, o então jovem repórter da Jovem Clube
teve a coragem de entrevistar ao vivo, na chegada no Aeroporto Internacional de
Corumbá, o seu xará Farid Suwan, então chefe do escritório de representação
palestina em Brasília.
Já
no início da Nova República, quando os ventos democráticos varriam o entulho
autoritário do regime de 1964 e o Brasil se preparava para a Assembleia
Nacional Constituinte, Farid integrou a equipe do Prefeito Hugo Costa, o
primeiro a ser eleito pela via direta depois do Prefeito Breno Medeiros
Guimarães. Apesar de todo o apoio conferido pelo primeiro governador eleito
democraticamente da história de Mato Grosso do Sul, o saudoso Doutor Wilson
Barbosa Martins, era um período muito difícil para Corumbá, cujos elos
históricos com Cuiabá ainda eram fortes e todos os segmentos econômicos e
sociais ainda se ressentiam da ruptura representada pela divisão de Mato
Grosso, sobretudo o Pantanal.
Embora
discreto, Farid estava conectado com importantes profissionais da imprensa na
luta democrática, entre eles o querido e sempre combativo Jornalista Edson
Moraes, um Companheiro que honra o cosmopolitismo e o vanguardismo de Corumbá
em todos os tempos. Na luta pelas Diretas, era Farid e o também saudoso Roberto
Hernandes, então cunhado do querido e saudoso Jornalista Márcio Nunes Pereira (à
época repórter do Diário de Corumbá
e fundador, com o cunhado, de A Gazeta,
de breve existência, que funcionava em frente ao escritório do saudoso Doutor
Joilce Viegas de Araújo), que se expunham na cobertura daquela celebração da
cidadania, mas com poucas adesões em nossa região, em que a querida e saudosa
Heloísa Urt, a Marlene Peninha Mourão, José de Oliveira e o Edmir Abelha Figueiredo
de Moraes mobilizavam.
No
segundo mandato do saudoso Prefeito Fadah Gattass, ao lado do querido Amigo
Armando Carlos Arruda de Lacerda (então assessor especial), Farid, como
secretário de Comunicação Social, deu todo apoio para a realização do pioneiro
movimento pela preservação do patrimônio histórico e cultural de Corumbá, a
Sociedade dos Amigos da Cultura (coordenada pelo saudoso senhor Lincoln Gomes),
que, de 14 a 20 de setembro de 1991, realizou a I Semana da Cultura diante da
Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (o emblemático ILA), que parecia mais um
mausoléu que um museu. Jamais iremos esquecer que a Prefeitura de Corumbá
inaugurou seu moderníssimo sistema de sonorização, adquirido pela Secretaria de
Educação e Cultura, com aquele evento de uma semana, e que teve como apresentadoras
as queridas Amigas Nicole Kubrusly (à época apresentadora do jornal da então TV
Cidade Branca) e a Doutora Sidnéia Tobias (a primeira titular da Delegacia da
Mulher em Corumbá), sob a consigna de “abra seu coração para a cultura: adote o
ILA!”.
Farid
Yunes continuou à frente da Secretaria de Comunicação em todo o mandato do
prefeito Ricardo Candia e em parte do primeiro mandato do prefeito Eder
Brambilla. Nesse período, por conta da política, distanciou-se de seu Amigo
Márcio Nunes Pereira, que como diretor-responsável do Diário de Corumbá, embora ainda se falassem cordialmente ao
telefone, passou a adotar uma linha combativa em relação ao governo Pedro
Pedrossian, ao qual Candia se aliara, sobretudo depois do leilão de
privatização da Urucum Mineração S/A na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em
agosto de 1994. Com a eleição de Eder, que contou com o apoio do Doutor Joilce,
houve uma discreta aproximação entre os velhos Amigos, mas logo Márcio se
eternizou, em agosto de 1997.
Ainda
que eu tivesse merecido um “puxão de orelha” na emblemática coluna do Farid
certa ocasião (e, confesso, quando escrevi uma fonte próxima me havia
assegurado que a nota que eu criticara não era de sua lavra, até por conta da
maneira como havia sido escrita), quase sempre estivemos do mesmo lado, o da
História, fosse na conquista das liberdades democráticas no início da década de
1980 ou na defesa do Estado Democrático de Direito e contra o golpe de 2016
recentemente, o que muito me conforta. Mas, neste momento em que se eterniza,
me entristece muito, sobretudo do lado humano e profissional -- afinal, jornalistas
com sua magnitude e coragem estão cada vez menos nas redações digitalizadas e,
lamentavelmente, desumanizadas --, até porque ele merecia estar presente no
momento da vitória contra as trevas que ameaçam se abater sobre a população
brasileira neste triste momento de nossa história.
Felizmente
Farid soube, também no âmbito de sua Família, formar com excelência cidadãos
íntegros para que levem o bastião da vanguarda e da resistência que tão bem
soube empreender sobretudo nestas décadas. Tenho a honra e felicidade de ter
conhecido o Ale e sua Companheira, a Sílvia, há algum tempo -- precisamente há seis
anos, quando da eternização do querido Malah, oportunidade em que criamos
conjuntamente um blogue em sua memória --, o que me dá a certeza de que o
Jornalismo combativo e formador de cidadãos continuará a iluminar as mentes
carentes da boa informação em nossa região.
À
querida Família Yunes nossos sentimentos e sinceros votos de resignação, na
medida do possível, e o testemunho de que o eterno Farid fez história, com
coragem e altivez. Força, muita força e resiliência neste momento de dor e
saudade...
Até
sempre, Farid, e transmita um fraternal abraço ao Márcio Nunes Pereira nesta
sua nova jornada!
Ahmad Schabib Hany
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