sexta-feira, 10 de maio de 2019

FARID YUNES, JORNALISMO COM CORAGEM


Farid Yunes, Jornalismo com coragem

Na mesma semana em que se silenciou o precoce Gianni Carta -- filho do grande Mino Carta --, o Jornalista Farid Yunes Solomini, diretor-responsável do Correio de Corumbá, eternizou-se, depois de uma longa e tenaz luta contra o diabetes, uma doença silenciosa que vitima grandes contingentes humanos. Viveu da mesma forma com que atuou na imprensa nas últimas décadas: aguerrido, incansável, determinado. Tal como no Jornalismo, na Vida ele foi um resistente solitário, um verdadeiro estoico na ciência da comunicação, tendo escolhido o lado da História, sobretudo em seus derradeiros anos, com bravura e dignidade.

Ainda jovem, início dos anos 1980, quando trabalhou como recenseador com duas de minhas Irmãs no primeiro Censo Demográfico do IBGE do então recém-criado Mato Grosso do Sul, em Corumbá, Farid revelou-se um eficiente companheiro de equipe, pois, com lealdade e compromisso, soube executar todo o seu trabalho com eficiência e humildade. Mais que colegas, ele ganhou amigos para a Vida toda. Do mesmo modo na imprensa, a despeito de seu jeito, no dizer de alguns colegas, polêmico, ofício que abraçou bastante jovem, contemporâneo de grandes comunicadores e jornalistas que marcaram, como ele, época: Edson Moraes, Gino Rondon, Jonas de Lima, Juvenal Ávila, o saudoso e querido Augusto Alexandrino dos Santos (“Malah”) e tantos outros não menos talentosos e importantes para a história da radiofonia e do jornalismo do País.

O querido Amigo e Jornalista Rodolfo Rondon, aliás, irmão do Gino, foi preciso em seu depoimento para a equipe da televisão Morena, que cobriu com dignidade a despedida ao agora saudoso Farid -- tendo mostrado, de forma isenta a completude de uma personalidade marcante, que por isso fez história --, ao lembrar com riqueza de detalhes episódios emblemáticos próprios da geração iluminada de que fez parte, e sobretudo assegurar plena liberdade: ser Jornalista não é apenas saber descrever ou até analisar o cenário de seu tempo, mas tomar o lado justo, como um educador e um cidadão deve tomar. Essa escola de jornalistas rastejantes ante o poder é coisa do passado...

Conheci o Farid quando, ao lado de seu também saudoso Irmão, o Jamil da Embratel, grande Companheiro de lutas que marcou sua trajetória na história, fazia parte da equipe da gloriosa Jovem Clube, e o igualmente saudoso e querido senhor Pedro Júlio (esposo da querida e saudosa Amiga Maria Auxiliadora Júlio, a Mana, e depois chefe da Embratel) era responsável técnico da emissora. Num tempo em que cobrir viagens de representantes da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) era passível de punição, o então jovem repórter da Jovem Clube teve a coragem de entrevistar ao vivo, na chegada no Aeroporto Internacional de Corumbá, o seu xará Farid Suwan, então chefe do escritório de representação palestina em Brasília.

Já no início da Nova República, quando os ventos democráticos varriam o entulho autoritário do regime de 1964 e o Brasil se preparava para a Assembleia Nacional Constituinte, Farid integrou a equipe do Prefeito Hugo Costa, o primeiro a ser eleito pela via direta depois do Prefeito Breno Medeiros Guimarães. Apesar de todo o apoio conferido pelo primeiro governador eleito democraticamente da história de Mato Grosso do Sul, o saudoso Doutor Wilson Barbosa Martins, era um período muito difícil para Corumbá, cujos elos históricos com Cuiabá ainda eram fortes e todos os segmentos econômicos e sociais ainda se ressentiam da ruptura representada pela divisão de Mato Grosso, sobretudo o Pantanal.

Embora discreto, Farid estava conectado com importantes profissionais da imprensa na luta democrática, entre eles o querido e sempre combativo Jornalista Edson Moraes, um Companheiro que honra o cosmopolitismo e o vanguardismo de Corumbá em todos os tempos. Na luta pelas Diretas, era Farid e o também saudoso Roberto Hernandes, então cunhado do querido e saudoso Jornalista Márcio Nunes Pereira (à época repórter do Diário de Corumbá e fundador, com o cunhado, de A Gazeta, de breve existência, que funcionava em frente ao escritório do saudoso Doutor Joilce Viegas de Araújo), que se expunham na cobertura daquela celebração da cidadania, mas com poucas adesões em nossa região, em que a querida e saudosa Heloísa Urt, a Marlene Peninha Mourão, José de Oliveira e o Edmir Abelha Figueiredo de Moraes mobilizavam.

No segundo mandato do saudoso Prefeito Fadah Gattass, ao lado do querido Amigo Armando Carlos Arruda de Lacerda (então assessor especial), Farid, como secretário de Comunicação Social, deu todo apoio para a realização do pioneiro movimento pela preservação do patrimônio histórico e cultural de Corumbá, a Sociedade dos Amigos da Cultura (coordenada pelo saudoso senhor Lincoln Gomes), que, de 14 a 20 de setembro de 1991, realizou a I Semana da Cultura diante da Casa de Cultura Luiz de Albuquerque (o emblemático ILA), que parecia mais um mausoléu que um museu. Jamais iremos esquecer que a Prefeitura de Corumbá inaugurou seu moderníssimo sistema de sonorização, adquirido pela Secretaria de Educação e Cultura, com aquele evento de uma semana, e que teve como apresentadoras as queridas Amigas Nicole Kubrusly (à época apresentadora do jornal da então TV Cidade Branca) e a Doutora Sidnéia Tobias (a primeira titular da Delegacia da Mulher em Corumbá), sob a consigna de “abra seu coração para a cultura: adote o ILA!”.

Farid Yunes continuou à frente da Secretaria de Comunicação em todo o mandato do prefeito Ricardo Candia e em parte do primeiro mandato do prefeito Eder Brambilla. Nesse período, por conta da política, distanciou-se de seu Amigo Márcio Nunes Pereira, que como diretor-responsável do Diário de Corumbá, embora ainda se falassem cordialmente ao telefone, passou a adotar uma linha combativa em relação ao governo Pedro Pedrossian, ao qual Candia se aliara, sobretudo depois do leilão de privatização da Urucum Mineração S/A na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, em agosto de 1994. Com a eleição de Eder, que contou com o apoio do Doutor Joilce, houve uma discreta aproximação entre os velhos Amigos, mas logo Márcio se eternizou, em agosto de 1997.

Ainda que eu tivesse merecido um “puxão de orelha” na emblemática coluna do Farid certa ocasião (e, confesso, quando escrevi uma fonte próxima me havia assegurado que a nota que eu criticara não era de sua lavra, até por conta da maneira como havia sido escrita), quase sempre estivemos do mesmo lado, o da História, fosse na conquista das liberdades democráticas no início da década de 1980 ou na defesa do Estado Democrático de Direito e contra o golpe de 2016 recentemente, o que muito me conforta. Mas, neste momento em que se eterniza, me entristece muito, sobretudo do lado humano e profissional -- afinal, jornalistas com sua magnitude e coragem estão cada vez menos nas redações digitalizadas e, lamentavelmente, desumanizadas --, até porque ele merecia estar presente no momento da vitória contra as trevas que ameaçam se abater sobre a população brasileira neste triste momento de nossa história.

Felizmente Farid soube, também no âmbito de sua Família, formar com excelência cidadãos íntegros para que levem o bastião da vanguarda e da resistência que tão bem soube empreender sobretudo nestas décadas. Tenho a honra e felicidade de ter conhecido o Ale e sua Companheira, a Sílvia, há algum tempo -- precisamente há seis anos, quando da eternização do querido Malah, oportunidade em que criamos conjuntamente um blogue em sua memória --, o que me dá a certeza de que o Jornalismo combativo e formador de cidadãos continuará a iluminar as mentes carentes da boa informação em nossa região.

À querida Família Yunes nossos sentimentos e sinceros votos de resignação, na medida do possível, e o testemunho de que o eterno Farid fez história, com coragem e altivez. Força, muita força e resiliência neste momento de dor e saudade...

Até sempre, Farid, e transmita um fraternal abraço ao Márcio Nunes Pereira nesta sua nova jornada!

Ahmad Schabib Hany

domingo, 5 de maio de 2019

MEMÓRIA: MEUS DIAS PRIVILEGIADOS AO LADO DE GIANNI CARTA (MATHEUS PICHONELLI)


HOMENAGEM PÓSTUMA AO JORNALISTA GIANNI CARTA, FALECIDO NESTE DOMINGO, 5 DE MAIO DE 2019, NUMA CIDADE DO SUL DA FRANÇA...

Memória: meus dias privilegiados ao lado de Gianni Carta

GIANNI CARTA (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ele se tornou, para todos os que trabalharam com ele, uma referência, um amigo

Eu queria saber me despedir dos meus amigos sem precisar falar de mim e de tudo o que aprendi com eles, mas no caso do Gianni, que morreu neste domingo, por volta das 7h, em Paris, em decorrência de complicações de um câncer nas vias biliares, isso é quase impossível.
Em 2011, eu trabalhava como editor interino do site de CartaCapital enquanto esperava a chegada do novo chefe, que em breve assumiria o posto. O chefe seria o Gianni Carta, de quem até então só conhecia como leitor.
Os momentos que antecediam sua chegada ao Brasil, vindo da Europa, tinham a marca daquela tensão das novidades: o novo chefe, afinal, traria na bagagem uma larga experiência como correspondente, livros publicados, dezenas de entrevistas com figuras históricas. Como me comportar sem que parecesse, perto dele, um foca, como chamamos os jornalistas em começo de carreira?
“Fica tranquilo, ele é gente finíssima”, diziam todos os que o conheciam. Todos mesmo.
Mal sabia que estava prestes a ganhar muito mais do que um chefe – e não só porque se tratava de um chefe que delegava e perguntava nossa opinião antes de tomar qualquer decisão, coisa rara em qualquer profissão.
Durante meses sentamos um de frente para o outro e pude atualizar o conceito de privilégio. De onde estava, ficava admirado com a facilidade com que ele falava com meio mundo por telefone (em francês, inglês, italiano, espanhol; só dependia de quem estava do outro lado da linha).
Não tinha dia que ele não chegava com o jornal rabiscado, mostrando empolgado os assuntos do dia, mostrando qual tema poderíamos abraçar e contar do nosso jeito – no caso, nós, os “meninos do site”, um grupo que, como todos naquele início dos anos 2010, ainda não sabia exatamente para onde nos levava a tal da internet.
Um dia, vendo minha decepção ao ler os comentários de leitores a referendar as ideias (já então em voga) obscurantistas de um vereador que queria instituir em São Paulo um certo “Dia do Orgulho Hétero”, ele me perguntou: “por que você não escreve uma pensata sobre isso?”
Era uma sugestão pouco comum para quem, caxias como eu era, ainda andava abraçado aos manuais da impessoalidade jornalística debaixo do braço.
“Como assim pensata, Gianni? Não posso dar minha opinião. Isso me compromete”.
Foi então que ele me ensinou que o problema não era ter opinião sobre fatos, mas como as opiniões interferem nos fatos. Que podemos ser justos e honestos com o leitor quando expomos nossas convicções e deixamos claro o que pensamos e o quanto estamos abertos a novas ideias – inclusive para mudar de opinião.
Se não fosse essa conversa eu jamais teria feito qualquer texto opinativo no meio do noticiário – e é o que tenho feito, desde então, há mais de oito anos.
No breve período em que ele ficou no comando do site, fiz amigos para a vida inteira, muitos apresentados por ele. Tão Gomes Pinto, Edgard Catoira, José Antonio Lima, Fernando Vives, Maria Clara Parada, Clara Roman, Lino Bocchini, Gabriel Bonis e tantos outros que fizeram daquele site um espaço de debate dos mais aguerridos.
Tudo isso só aconteceu porque tínhamos o apoio, as orientações, a confiança do Gianni. Não é pouco.
Em pouco tempo, ele se tornou, para todos os que trabalharam com ele, uma referência, um amigo e um parceiro de viagens, como a que fizemos até Valinhos, onde fomos recepcionados como reis em um churrasco oferecido pelo Dó, velho amigo da família.
Quando ele decidiu voltar a Paris, fizemos uma grande despedida no bar onde rabiscávamos nossas ideias.
Foi a última reunião daquela turma que ele ajudou a formar. Mal sabia que, naquela noite, nos despedíamos também de uma época – uma época em que ainda era possível pensar em um país mais generoso, mais humano, mais elegante – como ele era.
De longe, seguíamos em contato. Foi do Gianni, de Paris, um dos primeiros telefonemas que recebi quando meu filho nasceu, prematuro, precisando de forças e bons pensamentos.
No breve telefonema, deu tempo de lembra-lo de uma antiga promessa: a de que ele faria o prefácio do meu livro quando finalmente reunisse todas crônicas (“pensatas”, como ele gostava de dizer) da nossa época para publicação em papel.
Pudera: ele foi peça fundamental para que elas surgissem. E vai seguir assim para sempre, guardado nas melhores lembranças. Junto com a saudade e a gratidão.
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ESCRITO POR 
É formando em jornalismo e ciências sociais, foi editor-assistente do site de CartaCapital entre 2011 e 2014. Escreve sobre cinema, política e sociedade.


https://www.cartacapital.com.br/opiniao/memoria-meus-dias-privilegiados-ao-lado-de-gianni-carta/